sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Dia da Rua dos Mártires



Há 18 anos atrás, no dia 25 de fevereiro de 1994, um colono israelense nascido nos EUA, o médico Baruch Goldstein, entrou na Mesquita Ibrahimi (o Santuário do Patriarca Abrãao) em Hebron (al-Khalil em árabe) e atirou contra os muçulmanos em oração. Era ao mesmo tempo sexta-feira de Ramadã (mês sagrado do Islã) e Purim (dia sagrado para os judeus). Enquanto o Ramadã é um mês de jejum diurno e oração, o Purim é uma comemoração do malogro de um suposto plano para exterminar o povo judeu durante o Império Persa (não existe qualquer evidência histórica que corrobore com a narrativa dessa tradição). Baruch Goldstein adentrou a Mesquita Ibrahimi armado com sua metralhadora durante o sermão de sexta-feira (a khutba), passando sem ser detido pelos vários soldados israelenses presentes, encarregados de manter a ordem e segurança no Santuário dos Patriarcas. Ele estava com seu uniforme de soldado, mas sendo um homem de meia idade, seria ainda mais estranho ver qualquer um assim do que os típicos colonos de kippah e barba armados com metralhadoras (uma cena comum até hoje). Como pode-se se deduzir, sendo a mesquita o quarto local mais sagrado para o Islã e sendo uma sexta-feira de Ramadã, ela estava lotada com devotos em oração no momento que Baruch a adentrou e atirou contra os mesmo. Vinte e nove palestinos foram mortos e cento e vinte cinco ficaram feridos, alguns com sequelas permanentes, como paraplegia. Baruch Goldstein morreu ali mesmo, sobrepujado e linchado até a morte pela multidão que estava algomerada na mesquita.


Santuário dos Patriarcas (Mesquita Ibrahimi), local do massacre de Baruch Goldstein no dia 25 de fevereiro de 1994


O que se seguiu a esse massacre é o que o torno ainda tão simbólico e por que a memória desse acontecimento ainda é tão presente: a decisão do governo israelense de isolar áreas da cidade para proteger os colonos de qualquer retaliação por parte de palestinos. Desse modo, a colônia urbana estabelecida em quatro pontos (assentamentos) na cidade antiga de Hebron e em seus arredores pudesse manter sua existência "normal". Assim, a rua Shuhada (rua dos mártires, em homenagem aos mortos no massacre) teve seu acesso parcialmente restrito para palestinos, que não poderiam dirigir ou abrir suas lojas nessa rua e em outras ruas e áreas próximas aos assentamentos. Entre 600 a 800 lojas de palestinos foram fechadas sob ordem militar, a maioria seladas com barras de metal soldadas sobre as portas. Era ainda possível caminhar por essa rua, que era a principal artéria do centro histórico da cidade. Isso durou até o ano de 2000, quando a segunda intifada irrompeu e a violência contra civis em ambos os lados foi levando a uma escalada da brutalidade no conflito. Para mais uma vez proteger os colonos de qualquer retaliação, o exército israelense bloqueou mesmo o acesso a pedestres na rua Shuhada e submeteu a população palestina na área sob controle israelense* a constantes toques de recolher que chegavam a durar semanas inteiras e se somados, quase uma ano. O conturbado e violento período da segunda intifada já passou, entretanto, permanecem as restrições para população palestina e a rua Shuhada continua fechada a essa população.


Posto de controle israelense na entrada da rua Shuhada
Apesar das restrições e das agruras com que tem que lidar cotidianamente, palestinos de Hebron tem se erguido em protesto e se organizado pacificamente para conseguir acabar com as restrições as quais os palestinos estão submetidos em Hebron e lutar pelo fim da ocupação. Um grupo em especial, a Juventude contra Assentamentos, tem encabeçado a campanha "Abram a Rua Shuhada" (Open Shuhada Street). Hoje, dia 25 de Fevereiro, marca ao mesmo tempo o aniversário do massacre que deu início a essas restrições e também o dia de protesto para abertura dessa rua cuja a obstrução permanece não só como uma ferida aberta da violência da ocupação, mas também uma agonia constante para os habitantes da área sob controle militar israelense, que sofrem de abusos quase diários por parte tanto de soldados e quanto de colonos. Como não fosse o bastante, esses últimos ainda mantém seus ideais supremacistas e genocidas que inspiram Goldstein a cometer o massacre em 1994. Pela rua Shuhada e arredores pode se ler por todo canto escrito em Hebraico "Morte aos árabes" e afins. Entretanto, esses colonos jamais são processados ou presos por incitação ao ódio, pelos constantes abusos contra palestinos e pelos danos ou furtos de propriedades palestinas. Ainda assim, a maioria dos habitantes palestinos dessa área continua resistindo pacificamente através da perseverância e da própria existência no local onde são indesejados. Talvez por isso os protestos pacíficos sejam aos olhos das autoridades uma audácia inaceitável, algo que se soma ao desafio constante as mesmas pela mera continuidade de sua existência. Os protestos desse ano foram reprimidos como tipicamente, bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e detenções/prisões arbitrárias. Porém o espírito de resistência do povo palestino, que já sustentou expulsão, dispersão e ocupação por mais de sessenta anos, não consegue ser assim suprimido. Como a oliveira que resiste as intempéries dessa árida região mesmo por milênios, os palestinos suportam as intempéries da ocupação, regenerando seus galhos e folhas perdidas a cada primavera, esforçando-se, em cada protesto, para alcançar o sol que os ilumina e os alimenta com a esperança de liberdade num futuro próximo.


Protesto pela abertura da Rua Shuhada
* Por conta da presença de colonos em seu centro, a cidade de Hebron/al-Khalil foi dividida em duas áreas durante o processo de Oslo, que gerou a Autoridade Nacional Palestina. Uma dessas áreas (a área H1, 90% da cidade), estaria sob controle da Autoridade Palestina, enquanto o centro histórico e seus arredores permaneceriam sob controle militar israelense (a área H2, mas que incluí a Casbah (cidade antiga de pedra) e o Santuário dos Patriarcas, assim como toda a área que conecta os assentamentos urbanos aos assentamentos maiores e em forma de condomônio fechado de Kiryat Arba, Givat Ha'avot e Givat Harsina.